Para que haja análise, é preciso ir para o divã?

É necessário usar o divã para que haja análise? Uma reflexão sobre a função clínica e simbólica do divã na psicanálise a partir de Freud e Lacan.

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Bruno Moraes

6/4/20252 min read

Desde seus primórdios, a psicanálise foi associada à imagem do divã. Essa imagem é tão potente que, para muitos, o simples ato de deitar-se no divã é sinônimo de “fazer análise”. Freud, já em suas experiências com a hipnose, utilizava o divã — mas não como hoje entendemos dentro da prática analítica. Com o tempo, essa posição do paciente, deitado, sem o contato visual direto com o analista, foi incorporada à técnica freudiana de escuta e associação livre, e ganhou um valor simbólico na direção do tratamento.

No entanto, a questão permanece: será o divã necessário para que haja análise?

Freud desenvolveu sua técnica em um movimento de escuta que privilegiava a fala livre do paciente e a suspensão do julgamento do analista. O divã, nesse sentido, foi funcional: permitia que o paciente se voltasse para sua própria fala, sem as interferências — conscientes ou inconscientes — provocadas pela presença do olhar do outro.

Em Lacan, a função do divã ganha ainda mais densidade teórica. Ao propor a clínica estruturada em torno do discurso do analista, ele desloca o foco da técnica para a ética do ato analítico. Isso implica que o uso do divã não deve ser determinado por um protocolo técnico, mas pelo momento lógico da análise: ou seja, o divã não inaugura a análise — ele é consequência de um certo avanço dela.

Lacan propôs que o tratamento se divide em dois momentos: as entrevistas preliminares, onde o sujeito se apresenta, coloca em jogo sua demanda e permite ao analista verificar se há estrutura para que a análise se instale; e, se essa entrada ocorrer, o sujeito pode passar ao dispositivo clássico do divã. Esse gesto marca uma mudança: o analisante se engaja com a própria fala, na ausência do apoio do olhar do analista, o que pode permitir o surgimento de associações mais livres e transferências mais ricas.

É nesse ponto que Lacan destaca a função da suspensão da pulsão escópica: muitas vezes, o olhar do analista pode inibir o analisante, especialmente quando emergem conteúdos que geram vergonha, medo ou resistência. No divã, a palavra ganha mais espaço, e o sujeito, ao falar, se confronta com aquilo que escapa a seu próprio saber — aquilo que, de fato, só pode ser dito quando não se tem “um outro” como espelho.

No entanto, o uso do divã não é obrigatório. Em alguns casos, manter o enquadre frente a frente é mais apropriado, seja por estrutura, por defesa ou por exigência do processo. O mais importante é que não se trate de uma decisão tomada a priori, mas de algo que emerge do encontro analítico e da escuta do analista. Cada sujeito demanda de forma singular, e cabe ao analista discernir o momento — se houver — de propor a passagem ao divã.