O “Eu” também é o Outro? A estrutura narcísica da identidade
O “eu” também é o outro? Descubra como Freud e Lacan pensaram a estrutura do eu a partir do narcisismo e do estádio do espelho.
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Bruno Moraes
6/4/20252 min read


Quem poderia ser mais belo que o “eu” se não o outro que em mim reside? Mas afinal, que outro é esse que também sou eu?
A pergunta é provocativa, e se ancora em uma das teses mais fascinantes da psicanálise: a noção de que o “eu” não é uno, mas uma construção mediada por identificações com o outro. Tanto Freud quanto Lacan se debruçaram sobre essa questão, oferecendo pistas valiosas para pensar a gênese do sujeito.
Freud e o mito de Narciso
Freud se utiliza do mito de Narciso para pensar a origem do narcisismo, um momento fundamental na constituição do eu. No narcisismo primário, o bebê ainda está voltado para si mesmo de forma autoerótica, sem distinção clara entre si e o mundo externo. À medida que o outro (geralmente a mãe) emerge como presença fundante, o sujeito entra em um segundo momento: o narcisismo secundário, em que passa a investir libido no próprio eu, mas agora em função da relação com o outro.
Lacan e o estádio do espelho
Lacan radicaliza essa noção ao formular o conceito de estádio do espelho. Entre os 6 e 18 meses, a criança se depara com sua imagem no espelho, e essa imagem, ainda fragmentária em relação ao que sente de si mesma, é reconhecida como total graças à mediação do Outro (geralmente o cuidador), que diz: “Esse é você”.
Esse reconhecimento fundante inaugura o “eu” como identificação imaginária — o eu ideal — que passa a operar como base para todas as identificações futuras. Mas essa imagem, longe de ser uma essência autêntica, é uma ficção, uma construção especular, sempre marcada pela alienação. O “eu” nasce do olhar do outro, e por isso mesmo carrega uma dimensão de duplicidade.
A alienação do eu
Como nos lembra Ferreira-Lemos (2011), comentando Lacan, o eu se constitui como uma função de domínio, imponência e rivalidade, cuja natureza é imaginária. Ele se ancora em um ideal do eu, que se origina no olhar do Outro e que o sujeito persegue, muitas vezes, em detrimento de seu desejo.
Nas palavras de Lacan:
“A consciência com que o eu garante a si mesmo uma existência incontestável não lhe é de modo algum imanente, mas transcendente, uma vez que se apoia no traço unário do ideal do eu” (Lacan, 1960/1998, p. 823).
Ou seja, o eu é atravessado por uma exterioridade radical. O sujeito se sustenta em identificações que são sempre mediadas pela linguagem e pelo desejo do Outro.
O eu é o outro?
A partir dessas formulações, é possível afirmar que sim, o “eu” também é o outro. O sujeito só pode dizer “eu” porque se constituiu a partir de um Outro que o nomeou, o olhou, o desejou e o representou. Lacan dirá: "O inconsciente é o discurso do Outro". Isso significa que o que pensamos ser “nosso” — nossas ideias, desejos, identidade — está sempre atravessado por algo que nos excede.
Essa constatação não é um convite ao niilismo, mas à responsabilidade: se o “eu” é efeito de uma rede de significantes que nos precede, é justamente pela análise que o sujeito pode fazer algo com essa herança. Pode se desfazer de certas identificações imaginárias que o alienam e se aproximar de um desejo mais próprio, ainda que sempre marcado pela falta.
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