A relação sexual não existe? Como assim?

Lacan afirma que a relação sexual não existe. O que isso quer dizer na psicanálise? Entenda essa ideia a partir do mito do andrógino, do gozo e da fantasia.

PSICANALISEPSICOLOGIAJACQUES LACANSIGMUND FREUDBRUNO MORAES

Bruno Moraes

6/4/20252 min read

A célebre frase de Lacan — “A relação sexual não existe” — costuma causar estranhamento. Como assim, não existe? Basta olharmos para a realidade para vermos casais, sexo, relações amorosas. Mas a afirmação lacaniana não diz respeito ao mundo empírico, e sim a uma impossibilidade estrutural no campo da linguagem e do gozo.

Para ilustrar essa questão, Lacan se apropria do mito do andrógino — narrado por Platão no Banquete — em que os seres humanos eram originalmente seres completos, com quatro braços e quatro pernas, que foram divididos por Zeus. Desde então, vivemos em busca da “outra metade”. O mito, além de sua beleza poética, revela algo fundamental: o desejo de fusão, o anseio de tornar-se “um” com o outro. Lacan, no entanto, nos convida a refletir sobre a impossibilidade dessa completude.

Os sexos não se inscrevem no inconsciente

Para Lacan, não há inscrição dos sexos no inconsciente como dados binários. “Homem” e “mulher” são posições simbólicas, efeitos de linguagem, e não essências fixas. É por isso que ele dirá que “a mulher não existe” — no sentido de que não há “A Mulher”, enquanto universal ou totalidade. Do lado masculino, tampouco há um “homem” que possa fazer Uno com “A Mulher”. O que temos, na verdade, são modos diferentes de se relacionar com o gozo.

Gozo masculino e gozo feminino

No seminário 20, Mais, ainda, Lacan formaliza duas posições de gozo: o gozo fálico, que marca o campo masculino, limitado pela função fálica e preso à lógica do “ter” (o falo), e o gozo feminino, que é um gozo “além do falo”, um gozo não-todo, que escapa à contabilidade fálica. Esses modos de gozar são heterogêneos — eles não se complementam, não se somam — e por isso Lacan afirma: não há proporção sexual possível, pois não há como formalizar uma relação de equivalência entre esses dois modos.

A fantasia e o mal-entendido estrutural

A impossibilidade da relação sexual também se revela no plano da fantasia. Não é possível “acessar” o outro enquanto sujeito. A fantasia interpõe-se entre o sujeito e o outro, fazendo com que este seja investido como objeto a, objeto causa do desejo — mas que nunca corresponde ao que de fato o outro é. Assim, amamos o outro através da nossa própria fantasia, e somos também amados na medida em que ocupamos o lugar de objeto na fantasia do outro.

É nesse ponto que reside o mal-entendido estrutural: nunca falamos exatamente a mesma língua do outro. O significante nunca é suficiente para capturar a totalidade da experiência do gozo. O “um” não faz “dois” — e o “dois” não se reconduz a um.

Conclusão

A relação sexual, para Lacan, não existe como fórmula simbólica que una homem e mulher. Existe o desejo, o amor, o gozo — mas cada um deles opera por vias distintas, com desencontros inevitáveis. E é justamente nesse campo do mal-entendido que a psicanálise opera: não para prometer a completude, mas para sustentar o sujeito diante da falta, do enigma do desejo e da alteridade irredutível do outro.